terça-feira, 31 de julho de 2012

SEM SOMBRA DE DÚVIDA


Stephen Hawking não se tornou conhecido como apostador doentio, desses que frequentam cassinos. O popular cientista é considerado o maior físico desde Einstein. Entretanto, há algumas semanas, Hawking cismou com Gordon Kane, da Universidade de Michigan (EUA). Ele acreditava que jamais seria encontrado o bóson de Higgs, uma partícula subatômica supostamente essencial para entender a origem do universo. Como boa parte dos achados da física aconteceu de forma aleatória, o bóson de Higgs não seria descoberto intencionalmente. "Por causa disso, apostei com Gordon Kane que a próxima partícula não seria encontrada. Parece que acabei de perder 100 dólares", declarou Hawking. [1] Claro que ninguém discriminou o físico por sua incredulidade, afinal, duvidar também faz parte da ciência.

Por outro lado, cientistas já erraram por excesso de credulidade. Charles Dawson que o diga! Dawson aproveitou-se da fama de Arthur Smith Woodward, na época conservador do British Museum, para junto dele anunciar sua descoberta bombástica: o crânio de um suposto elo perdido entre o homem e o macaco. Batizado de Homem de Piltdown (localidade inglesa em que se fez a descoberta), o primeiro fragmento foi divulgado em 12 de Dezembro de 1912, seguido pelo achado de dois crânios semelhantes em 1915, todos considerados legítimos. Paleontólogos e especialistas escreveram dezenas de artigos sobre o novo elo perdido.

Somente em 1949, mais de trinta anos da descoberta original, o paleontólogo Kenneth Oakley testou um dos achados, e detectou traços extremamente baixos de flúor, mostrando que o fóssil era recente. Um exame mais minucioso comprovou que os dentes do Homem de Piltdown haviam sido serrados, a fim de aparentar desgaste. O crânio e a mandíbula foram coloridos com bicromato de potássio (para parecerem mais antigos). O próprio achado consistia na fusão de uma caixa craniana de um homem moderno com a de um orangotango, com dentes de elefante, hipopótamo e chimpanzé. Aparentemente, o autor da farsa foi mesmo Charles Dawson (falecido em 1918), que teve como provável cúmplice o teólogo e paleontólogo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. [2]

Nem sempre é simples perceber quando devemos acreditar e quando devemos duvidar. Principalmente quando o assunto envolve a fé cristã.

“Temos visto que uma parte essencial da fé e da crença é a ideia de que aquilo em que cremos é verdadeiro”, já disse alguém. [3] Mas haveria algum espaço para a dúvida na vida cristã? Não conheço ninguém em particular que fosse elogiado por duvidar. Como cristãos, associamos dúvida com descrença. Quem dúvida, está fraco na fé. Logo, a dúvida parece ser, senão propriamente um pecado, ao menos, o primeiro passo antes da queda.

Uma boa definição explica a dúvida como um estado entre fé e incredulidade. A dúvida não seria uma coisa ou outra, apenas um meio termo. [4] Logo, a dúvida não consistiria necessariamente em algo errado em si. A essa altura, alguém perguntaria: “Espere um minuto: Jesus não repreendeu Tomé por ter duvidado?” Devido a uma compreensão equivocada desse episódio bíblico, muitos acreditam que seja errado ter dúvidas. Portanto, é válido refletirmos sobre o que realmente aconteceu.

Ellen White descreve o caráter do discípulo, afirmando que era “Tomé, leal, se bem que tímido e temeroso”. [5] Ele recebeu o convite para fazer parte de um grupo selecionado de amigos pessoais de Jesus (MT 10:3). Tudo indica que possuísse um irmão gêmeo (Jo 11:16) e, se olharmos para sua personalidade, veremos que ele sempre trazia perguntas na ponta da língua (Jo 14:5).

Sobretudo, Tomé é lembrado por ter duvidado da ressurreição de Cristo. Como não testemunhara a primeira aparição de Jesus, ao rever o grupo e saber da notícia, ele afirmou firmemente: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei.” (Jo 20:25, NVI).

Jesus reencontrou-Se com os discípulos uma semana depois da declaração do discípulo com dúvidas. O Salvador desafiou Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia.” (v.27, NVI). Por que Jesus reagiu de forma tão severa ao lidar com a dúvida de Tomé? Será que toda dúvida é sempre errada? Deus me punirá se eu tiver dúvidas?

Tomé foi repreendido por descrer quando havia motivos para crer. Comentando sobre Tomé, que desacreditou, e Pedro, que negou Jesus, Ellen White afirma: “Tinham estado com Ele, mas não O conheceram nem apreciaram. Como, no entanto, tudo isso lhes comovia agora o coração, ao reconhecerem a própria incredulidade!” [6] Três anos com Jesus e os discípulos se esqueceram da mensagem de que o Mestre ressuscitaria!

Uma coisa é ter dúvidas que sejam fruto de nossa incapacidade de entender determinado fato ou explicação. Outra coisa, bem diferente, é continuar duvidando quando as respostas estão bem à nossa frente! “Para Tomé, exigir mais evidências, àquela altura, era duplamente desnecessário. Ele não somente tinha ouvido as palavras de Cristo, como também ouvira as narrativas de seus colegas discípulos, que haviam sido testemunhas oculares delas. Ainda assim, ele se recusou a crer.” [7]

A descrença pode ainda ir mais além do que aconteceu com Tomé. Veja o exemplo do professor de hebraico Ernest Renan. Esse erudito duvidava que a Bíblia pudesse ser considerada uma narrativa histórica. Em sua velhice, mesmo com os avanços da arqueologia, Renan continuou a descrer da Bíblia, ignorando todas as evidências que contrariavam seus primeiros estudos. [8] Alguns não creem não por escassez de evidências, mas por excesso de orgulho! Stephen Hawking, o cientista que perdeu U$ 100,00, também fez outra aposta fracassada: em seu último livro, The Grand Design, ele afirma que não precisamos de Deus para explicar a vida no universo. Esse é outro exemplo de como as evidências são ignoradas por um coração que não quer se render ao Criador.

E o que aconteceu com o vacilante Tomé? Apesar de sua fraqueza, o paciente amigo Jesus tratou-o com amor forte suficiente para ele se sentir acolhido e disposto a entrega sem reservas. Deus não é intolerante com aqueles que duvidam. Ele age para alcançá-los. [9]

Você tem dúvidas? Ótimo! Deus tem mais do que boas respostas: Ele oferece Seu companheirismo. Há muitas coisas que você não entenderá completamente. Para outras, você terá farta evidência ao longo da jornada. Com base naquilo que podemos assimilar por meio de nossa mente limitada, devemos decidir confiar no Salvador e declarar como Tomé: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20:28, NVI).

[1] "Bóson de Higgs me custou 100 dólares", diz Hawking, disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/ciencia/noticias/boson-de-higgs-me-custou-100-dolares-diz-hawking .
[2] Michel de Pracontal, A Impostura Intelectual em Dez Lições (Trad.: Álvaro Lorencini; São Paulo, SP: Unesp, 2004), p.175-183.
[3] J.P. Moreland and Klaus Issler, In search of confident faith: overcoming barriers to trusting in God (Downers Grove, IlI; InterVarsity Press, 2008), p. 27.
[4] Os Guinness, Encontrando Deus em meio à dúvida: a segurança da fé para além das questões mais difíceis da vida (Brasília, DF: Palavra, 2011), p. 26.
[5] Ellen White, O Desejado de Todas as Nações, p. 296.
[6]  Idem, p. 508.
[7] Os Guinness, idem, p. 89.
[8] Rodrigo P. Silva, “A história de Nabucodonosor: análise p[a]leográfica e interpretativa de uma inscrição neobabilônica”, Acta Científica, vol. 2, no 3, 2o semestre de 2002, p. 40.
[9] Ellen White, idem, p. 808.

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