terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A "YVANGELIZAÇÃO"

Cada período da história testemunha as tensões entre evangelho e cultura. O evangelho não se coloca em plena antagonia com a cultura vigente. Por exemplo, faz parte da cultura brasileira o uso de uma forma peculiar da língua Portuguesa, distinta daquela que encontramos em outros países, como Angola e Portugal, por exemplo. Ao converter-se ao cristianismo, não é preciso deixar o idioma materno. Continuamos brasileiros, herdeiros de uma cultura diferente da norte-americana e da japonesa. Cristãos brasileiros terão alguns gostos e costumes diferentes daqueles que se esperaria encontrar em seus irmãos de fé em outra nacionalidade.

Entretanto, o cristianismo oferece uma profunda reestruturação da cultura, reformando valores que lhe sejam contrários. A cultura brasileira sofreu influências múltiplas, entre as quais a de Portugal, país que nos colonizou. Como um país católico, Portugal transmitiu uma religiosidade particular ao povo brasileiro, sendo que um dos aspectos é o compromisso dúplice: o católico assiste ao serviço religioso (missa), participa de solenidades religiosas (e temos muitos feriados religiosos no Brasil!), mas, em geral, não se compromete com valores católicos no dia a dia. O catolicismo popular também é sincretista – tende a se aproximar de outras expressões de fé, o que explica tantos católicos umbandistas e espíritas em nosso país.

Não poucos adventistas recém-conversos, por causa da cultura disseminada, continuam vivendo a dualidade entre fé professada e vivência, além de serem sincretistas (incorporando à sua crença aspectos de outras, especialmente do mundo pentecostal). Porém, a obra do evangelho não estará completa até que essa herança cultural seja abandonada e nossas percepções e comportamentos se formem na vida do novo cristão.

Nem sempre o processo é imediato. Comumente, decorrem anos até que alguns valores não cristãos ou distorções sejam corrigidos. Em todo caso, a cultura não deve permanecer intocada: o evangelho a inspecionará, corrigindo tudo o que for necessário, para haver um amadurecimento espiritual autêntico.

Muito do que dissemos será posteriormente analisado em detalhes. Por enquanto, isso nos servirá à guisa de introdução ao tópico de nosso interesse: como os adventistas devem reagir no contexto à geração Y? Se em cada período da história houve tensões entre cultura e evangelho, não se pode afirmar que o cristianismo tenha superado sempre seus desafios. Em muitos casos, ocorreu contaminação da fé cristã, que, ao contrário de reinterpretar a cultura, foi reinterpretada e até mesmo completamente assimilada por ela! De certa maneira, essa tendência é natural: onde quer que os cristãos tenham dado, mesmo que inconscientemente, prioridade às normas e conceitos da cultura dominante, sua fé se descaracterizou.

O processo já vem afetando os jovens adultos adventistas, muitos dos quais mantém as mesmas crenças, mas sob um novo prisma. Para eles, por exemplo, evangelizar outros compartilhando sua fé é algo apenas subjetivo. De alguns dos ensinos adventistas eles não discordam – apenas deixam de enfatizá-los.[1] Na década passada, o livro que talvez melhor represente essa tendência é Adventism for a new generation, de Steve Daily.

Daily se propõe a escrever para jovens adventistas em uma era pós-cristã, mas suas opiniões lastimavelmente refletem uma postura infectada pelas ideias pós-modernas. Ele afirma, por exemplo, que o significado de 1844 é embaraçoso para os adventistas e acaba por fazer uma série de aplicações meramente existenciais da doutrina do santuário; mais à frente, ele lamenta que a doutrina do santuário tenha sido usada por “líderes da igreja adventista para remover e excomungar um dos mais cristocêntricos teólogos que a igreja produziu, num evento por meio do qual muitos jovens adventistas se desiludiram.” A referência é óbvia: trata-se do teólogo australiano Desmond Ford, que no início dos anos 1980 negou a doutrina adventista da expiação a partir de 1844. Além disso, o autor insiste haver tensões entre nossa afirmação de crer simultaneamente no princípio Sola Scriptura e na inspiração dos escritos de Ellen White. A solução? Segundo o escritor, precisamos voltar a atenção em Cristo, “por ser esse o objetivo de toda reforma e todo profeta.” Em outras palavras, se o que Ellen White escreveu parece divergir da Bíblia, não tente conciliar – fique com a Bíblia e esqueça dos escritos dela! [2]

Para Steve Daily, ser cristocêntrico consiste em negar doutrinas distintivas. Sua defesa do adventismo na verdade dilui o movimento, tornando-o tão útil em nossa época como uma cesta de guloseimas num front de guerra! Essa visão do evangelho se assemelha com a visão distorcida que Paulo combateu, a qual era chamada por ele de “outro evangelho” (Gl 1:7-9). O evangelho aculturado à geração Y é, na verdade, um “yvangelho”, diferente daquele que encontramos nas Escrituras.Pregar a essa geração não implica em nos limitar a apresentar o “yvangelho”, porque apenas o genuíno evangelho é o poder de Deus que salva (Rm 1:17).

Por outro lado, não há problemas do uso de novas mídias ou de estratégias evangelísticas dinâmicas, que lancem mão de recursos audiovisuais. Eu mesmo tenho experimentado abordagens bem diversificadas nas aulas de ensino religioso em minha função como capelão. A monotonia no culto pode ser o pior assassino do interesse no evangelho. A geração Y precisa ver que o evangelho funciona no mundo real e que participação na igreja, a comunidade do Senhor Jesus, é mais benéfica do que a adesão às comunidades virtuais. Embora o cristão possa usar a internet como recurso valioso para alcançar pessoas com a mensagem do evangelho, “conectar-se com outras pessoas online não é um substituto para a interação face a face.” [3]

Partindo do que tenho visto e praticado, no contexto de uma instituição cristã e igrejas locais, sugiro alguns princípios para alcançar a geração Y, os quais podem ser aplicados em quaisquer congregações:

1.Promova o evangelho integral: a geração Y quer resolver problemas reais. Muitos amordaçam a mensagem da cruz ao aspecto espiritual, entendido em um sentido místico distante ou existencial. Falta mostrar como o evangelho é poderoso para reformar a política, a educação e desafiar conceitos bem estabelecidos, como o evolucionismo e o marxismo, por exemplo. Se o evangelho for exaltado em suas implicações para cada área da vida, ele soará não só verdadeiro, como atrativo;

2.Cultive interação pessoal: pessoalmente, estou desapontado com programas de recepção de igreja, que, em geral, ensinam a sorrir e a anotar nomes. Ninguém quer encontrar na igreja o mesmo tipo de abordagem daquela presente em um consultório odontológico! Receber bem as pessoas é deixá-las à vontade entre nós, sem usar um adesivo na roupa, com o constrangedor informe: “visitante”. Cada membro de igreja deveria se interessar por se aproximar pessoalmente de pessoas novas, oferecer-se por visitá-la e buscar introduzi-las a outros membros da igreja. Isso sem que o dirigente do culto diga em público: “agora, cumprimente o visitante ao lado”;

3.Adote renovação metodológica consciente: As reuniões da igreja não precisam ser sempre formais e seguir um protocolo de “cantar, levantar, orar, ouvir, cantar, orar e sair”. Pequenas encenações, testemunhos, grupos de estudo, apresentação de vídeos bem selecionados ou produzidos por membros da igreja, uso de recursos tecnológicos, entre outras coisas, podem embelezar cultos evangelísticos, programas jovens e pequenos-grupos, desde que não se constituam versões “batizadas” de programas seculares. A repetição é a melhor forma de sabotar qualquer culto. Especialmente os adolescentes demonstram repulsa à rotina. Outrossim, não precisamos incorporar práticas de outros grupos religiosos, nem tornar o culto extremamente emocional para que ele soe criativo e contextualizado. Há algumas semanas, um rapaz comentou comigo ao término do culto que a forma como introduzi o sermão fez com que ele ficasse curioso para ouvir sobre o assunto – prova de que algo simples pode causar um impacto profundo se for feito com criatividade;

4.Apresente o Cristo Vivo: Jesus afirmou que quando fosse levantado na cruz atrairia todos a Si mesmo (Jo 12:32). Falta que O exaltemos como Salvador crucificado, Redentor ressurreto, Sumo Sacerdote atuante e Rei vindouro. Quando Ele for apresentado em todos os aspectos, as pessoas perceberam que o evangelho é mais do que a velha história do “Jesus morreu por você”. É óbvio que nosso Senhor veio morrer pelos seres humanos. Acontece que essa mensagem é repetida inutilmente como um bordão acinzentado, em apresentações simplórias que passam a não cristãos a impressão de que os crentes são intelectualmente rasos e superficiais. Nada mais contrário à verdade: o evangelho verdadeiro aponta para um Cristo suficiente em todos os aspectos, presente em nossa vida e autor de um intrincado plano para reverter o abismo entre Deus e homem. A pessoa de Jesus, em conexão com Suas doutrinas, numa apresentação clara e culturalmente compreensível, constitui a solução para as necessidades da geração Y;

Em nível pessoal, cada cristão deve fazer uso apropriado da internet. Quando alguém se expressa na rede, também está afirmando sua identidade, por meio de preferências e da forma como se apresenta. Cristãos adventistas não deveriam abrir mão de oportunidades para o testemunho mesmo quando conectados; pelo contrário: ao aproveitar o leque de possibilidades virtuais, estariam dizendo que é possível gozar momentos de lazer sadio e expressar opiniões coerentes com os valores que professam.

No oceano de futilidade que nos cerca, podemos acrescentar alguns caracteres diferentes em nossas mensagens. Não fotos de quem se pretenda modelo profissional ou links para vídeos de humor vulgar; mas o suave perfume do evangelho em todas as mídias, como uma declaração consciente de que pertencemos não a esse mundo. Usar a novidade das tecnologias para falar da novidade que a esperança em Jesus oferece é uma necessidade no século XXI.

Esse artigo tencionou introduzir o leitor no contexto desafiante da pós-modernidade, momento do pensamento humano que inclui a geração Y. Se nosso entendimento da pós-modernidade se limitasse ao que dissemos anteriormente, ele seria bastante limitado e insuficiente para resolver todas as questões que se lançam contra o movimento adventista. Diríamos, a título de comparação, que a geração Y é a ponta do iceberg. Desafio o leitor para seguir e mensurar o iceberg completo.


[1] Winfread Vogel, Biblical Truth in the context of new modes of thinking, JATS, 9:1-2 (1988), p. 119. Vogel cita o artigo de Rubén René Dupertius, Young adults make adventism their own, Adventist Today (Mar-Abr 1997), p. 20.
[2] Steve Daily, Adventism for a new generation (Portland/Clackamas, Oregon: Better living Publishers, 1994), p. 62, 180, 76,77. Além de Desmond Ford escrever um endosso à obra na contra-capa, o conhecido autor evangélico Tony Campollo assina o prefácio, evidências do caráter light do adventismo apresentado no volume.
[3] Adam Thomas, Digital disciples:real christianity in virtual world (Nashville, Tenesse: Abingdon Press, 2011), p. 36.

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