quarta-feira, 31 de março de 2010

RECOMEÇANDO O GUARDA-ROUPA

O colorido esverdiado do bolor subindo pelas paredes brilhava à luz que vinha da cortina recém-aberta – suspirou. Quanto tempo não frequentara ali? Oscar contou as horas no celular. Decidiu agir rapidamente. Abriu a porta do guarda-roupa. Tirou o primeiro cabide.

Pendurado nele, um vestido verde. Servia como recordação, ela não usara há décadas. O tecido luminoso, como a manhã em que se conheceram na empresa. Coçava o bigode ralo e se lembrava do sorriso da menina, que passaria o almoço reclamando da falta de molho no macarrão.

Logo mais, estava um blaser e uma saia, de tonalidade azul-escuro. Ah, quantas saudades evocavam! De mãos dadas, entrando juntos no cartório. As palavras do juiz-de-paz soavam distantes, num tom monocórdio e formal, que pouco condizia com alegria e os temores da decisão que pensaram.

Oscar senta-se na cama, de lençois gastos e embolorados. Aonde estaria o quadro?… bem, veria isso depois. Tinha de terminar com o serviço.

Removeu mais um cabide, com roupas comuns, de momentos variados. Foi quando, bem ali, o amarelo desbotado do macacão lhe fisgou, resgatando o passado. Lembrou-se de que ela o vestia ao sair da maternidade, com Júlia nos braços. Vieram em um Fiat 147,surrado e barulhento. Mas muito felizes!

Quantas outras peças haveria? Suas mãos percorriam vestidos de festa, calças jeans escuras, taileurs, vestidos com pregas e suéteres desbotados. Por fim…

A última veste. A camisola larga e amassada. Estava cheia de pó e alguns respingos. O sangue seco resistira ali, por todos estes anos. Oscar tomou a camisola nos braços como a bandeira do país ou como um símbolo sagrado. Por um instante, não soube o que fazer. Apenas chorou. Recompôs-se e terminou de colocar aquelas coisas na mala. Pronto. O guarda-roupa vazio. Poderia, enfim, encaixar a vida na rotina.

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