quarta-feira, 19 de novembro de 2008

LAÇOS E PERDAS

Nem o sopro da colina, com seu aroma verde de descanso me serve de consolo. Sinto saudades. Éramos todos uma só família, unidos na peregrinação da esperança. Éramos. E a separação… malditos poços de água, que secaram afetos! Até hoje, lamento pela despedida. Minha esposa… a maldita fez minha cabeça, me fez deixar de ver um sentimento que ainda vive, que para mim, na época, tinha sido sepultado. O sopro da colina está se apagando, vaga-lume inerme diante da radiância matutina. Logo minha família irá acordar para mais um dia no caos.

Como insistirei, sem parecer que aborreço soberbamente? Mas tenho de pleitear, tenho de agir com insistência, porque a minha tenda agora abriga o Senhor das estrelas e meu Senhor acolho por hóspede. Ele me ouvirá? Até que ponto Sua misericórdia poderá polpar uma multidão corrupta? Até que pondo minha intrepidez alcançará Seu coração? Sara já agiu sem confiança em Sua promessa, e eu?, passarei por tolo e insensato? É, preciso ao menos tentar…

Como pode ser? A misericórdia, que a nossos olhos soa como dádiva cheia de adornos valiosos, esbanjada por meros mortais! Como Deus tolera que zombem de uma oportunidade para a vida com essa demora?! Seres insignificantes, confundidos por um mal do qual não podem se livrar de todo, pobres! Nosso Senhor deu Sua irrevogável ordem e precisamos de atormentar toda esta cidade maléfica. E o que nos impede? A demora de humanos!…

Eu destruo Sodoma, Eu julgo a cidade que me indignou por sua calamidade, sim, Eu peso minha mão sobre eles, entro em juízo e quem o suportará? O pecado me aborrece, só a compaixão modula as cordas de Meu peito. O aroma da prece subleva a visão das calamidades; põe-te a correr Ló, não olhe para trás, filho tardio. Tua fé relaxada demorou a compreender minha vontade e teus pés persistiram nos prazeres de tua morada. Agora, apressa-te! Chegou o dia, o Meu dia. Ferirei a todos os que praticaram abominações e seus lares serão morada de corujas e chacais; nem o gafanhoto achará fiapo de grama que preencha o seu dente. Tudo será um sopro, tudo uma névoa diante de minha condenação.

Perder comodidades há tempo conquistadas, com tantas manhãs acordando cedo e tendo de começar a me esforçar; a falta de ambição de meu marido servindo de sombra, eclipsando minhas glórias e realidades próximas, quase atingidas… e este despejo, esta cratera sumamente aberto nos meus desejos por algo melhor. Que eu apreenda ainda a última cena, o vapor que sobe do primeiro calor, um quadro remoto do que foi meu por anos, o meu quase de sempre…

Nossa pai não terá filhos…seu nome não será como o de seu tio, nem chegará a ser mencionado na boca dos chefes das tribos do norte. As montanhas não ecoarão sua memória, tudo está perdido… ou não: resta uma estratégia, uma ação em tempos de desespero, uma mudança regada a vinho, que cheire a incesto, mas que crime seria mais perturbador do que não ter uma geração? Meu pai será meu homem e de mim virão homens, cujos ombros sustentarão sua casa.

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