terça-feira, 10 de junho de 2008

A RELIGIÃO DE SHAKESPEARE


Por Robert Miola[1]

Em 1613, ao fim da sua carreira, Shakespeare convidou John Fletcher para dramatizar o reino de Henrique VIII – o rei que rompeu com Roma e começou a revolução Protestante na Inglaterra. A peça terminou com o canto rapsódico de Thomas Cranmer à única e futura rainha, Elizabeth, que consolidaria o segmento Anglicano:

Eis régia infanta – os céus pairam sobre ela! –
Mesmo em seu berço, desde já promete
Bênçãos mil e mais mil sobre esta terra,
As quais o tempo fará férteis. Será –
Vive há pouco e se pode ver bondade –
Padrão para as princesas com quem vive,
E às que a sucederão.[2]

Os adversários de Elizabeth, Cranmer prediz, serão chacolhados como um campo de milho debulhado; e, entre aqueles inimigos incluíam-se os Católicos, os quais Elizabeth perseguiu cruelmente, aprisionando, e executando; os leitores tem tradicionalmente visto a peça como propaganda protestante.

E assim Henrique VIII é também a história de outra rainha: Katherine de Aragão, descartada por Henrique, dedicada esposa católica. Katherine corajosamente suporta o julgamento, permanece por sua “honra”, seu “laço de núpcias”, e seu “amor e compromisso”. Ela atacou Wolsey por sua “arrogância, ressentimento e orgulho” e desejou fazer um apelo “ao Papa”, para levar seu caso diante de “Sua Santidade”. No palco ela teve uma visão de espíritos angélicos dançando e dando-lhe boas-vindas no céu depois que ela morresse. Shakespeare e Fletcher retratam Katerine como uma injustiçada, heróica, e santa rainha.

Henrique VIII, em outras palavras, é acetato de sódio[3] e impressionante falsa neve, como Theseus disse em “Sonhos de uma noite de verão”. A peça exalta a Reforma Protestante ou a deformação protestante? Como nós encontraríamos um acordo deste desacordo? Diferente de Alguns poetas como Dante, Spencer e Milton, Shakespeare nos dá uma janela através da qual vemos sem clareza sua alma por dentro. Ambos, Protestantes e Católicos – como qualquer outro também – pode encontrar ampla evidência para reivindicar como seu o que é próprio deles. Mas desde então Shakespeare foi canonizado como poeta Protestante nacional por muito tempo; notícias de suas simpatias pelo catolicismo e perspectivas tem gerado agitação popular e acadêmica em anos recentes.

Então, por exemplo, o “Mundo Bibliográfico de Shakespeare”, um banco de dados eletrônico de estudos shakesperianos de 1962 em diante, registrou 228 acessos para “Catolicismo”, bem acima de cem deles desde a última década. Parte deste trabalho recente é tendenciosa e não-convincente. Mas parte dele mostra padrões evocativos de como Shakespeare extraía das ricas tradições do Catolicismo para criar seu drama.


Católico ou Protestante, o fato é que Shakespeare é um dos maiores autores cristãos de todas as épocas, e não só em Língua Inglesa. Sem dúvida, a influência do Cristianismo sobre a Literatura em particular, e sobre as Artes em geral, é marcante; somente uma Religião que crê no poder de um Deus com poder de criar a partir do nada poderia incentivar de tal modo a criatividade humana!

[1]Publicado no periódico católico “First Things”, Maio de 2008, disponível em http://www.firstthings.com/article.php3?id_article=6202.
[2] A tradução segue a tendência tradicional de verter a poesia shakesperiana em decassílabos heróicos e heróicos quebrados (seis sílabas, como no último verso).
[3] Em Inglês “hot ice”. O acetato de sódio é um cristal que tem a aparência de gelo. O uso da expressão indica que a peça de Shakespeare parece uma coisa, sendo, em realidade, outra.

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